No momento atual, a acústica parece ser o principal tema da pauta. Como estamos muito mais tempo em casa, percebemos a necessidade de um ambiente silencioso por isso, o desempenho das construções ficou muito evidente.
Na busca por ambientes silenciosos, uma das primeiras coisas que muita gente procura são as janelas acústicas, e com razão. Em muitos casos, o ruído externo é elevado e as janelas convencionais não proporcionam atenuação acústica adequada. Mas será que essa é sempre uma boa estratégia para melhorar o conforto acústico?
Você já ouviu falar em ruído de fundo? Também conhecido como ruído ambiente ou residual, representa o ruído em um ambiente, quando silenciamos a fonte sonora de interesse ou que gera incômodo. Por exemplo, quando a minha máquina de lavar roupas termina o ciclo de lavação, o ruído que sobra no ambiente é o ruído de fundo, ou ambiente, ou residual. Devido a necessidade de se padronizar a nomenclatura técnica de acústica foi editada uma norma, a NBR 16313:2014, e então esse termo passou a ser chamado de ruído residual. Aqui não me aterei a essa precisão normativa.
Normalmente, o barulho do trânsito é o principal componente do ruído de fundo. De uma forma geral o ruído de tráfego é relativamente constante. Aliado à expectativa que temos do seu comportamento, faz com que esse ruído não seja muito incomodativo, o que pode ser um problema, pois a exposição prolongada, no longo prazo, pode gerar problemas sérios de saúde.
Então, justifica-se o uso de janelas acústicas que, com vidros bem dimensionados, tem bons resultados para esse fim. Mas a opção por janelas acústicas será sempre positiva? Como todo remédio, o uso excessivo pode gerar problemas, ou ter efeitos colaterais indesejados.
Não estou defendendo que fiquemos expostos ao ruído, mas quero mostrar uma possível consequência de termos ambientes muito silenciosos e, talvez, um outro olhar sobre os limites recomendados na norma NBR 10152.
Nível sonoro interno – NBR 10152:2017
O trabalho do acústico, muitas das vezes, é escutar as dores do cliente e apontar um diagnóstico, que nem sempre é favorável a ele. As normas técnicas nos indicam números de engenharia e não dão margem a interpretações subjetivas. Isso já é indicado no título da norma NBR 10152 que, em sua versão atual, foi eliminada a palavra conforto. Conforto é algo subjetivo, varia de pessoa para pessoa, não tem como ser definido em uma norma técnica.
A norma NBR 10152:2017 estabelece, além dos procedimentos de medições, “os valores de referência para avaliação dos resultados em função da finalidade de uso do ambiente”. Ou seja, indica os níveis sonoros recomendados para cada tipo de ambiente. A título de exemplo, veja as recomendações para ambientes residenciais.
Essa norma diz que, para fins de avaliação sonora, considera-se adequado para o uso o ambiente cujos níveis sonoros representativos sejam iguais ou inferiores aos valores de referência apresentados.
Ora, podemos imaginar que quanto menor o nível de ruído no ambiente melhor. E isso não está errado. É sempre melhor poder dormir em um ambiente silencioso, mas um nível de ruído residual muito baixo também pode trazer más experiências.
Lembro de um amigo que sempre viveu em cidade grande e, quando se mudou para Florianópolis, queria morar em um local mais afastado do centro, perto da mata. Depois da primeira noite já havia cogitado voltar para o centro, pois os passarinhos começavam a cantar por volta das 4:00 AM e ele acordava e não conseguia mais dormir.
Outra situação similar aconteceu com outro amigo que morava perto de uma avenida e resolveu colocar janelas acústicas no quarto. A partir de então, ele “descobriu” que tinha liquidificador e secador de cabelo em casa. O barulho desses equipamentos, que antes era mascarado pelo ruído da rua agora eram marcantes no ambiente mais silencioso.
Ruído de sistema hidrossanitário – NBR 15575-6:2013
A parte 6 da norma de desempenho trata sobre o sistema hidrossanitário e equipamentos. Ainda que seja uma seção informativa para acústica, começa a despontar como um dos principais itens de reclamação em apartamentos.
Ao contrário da vontade de muitos reclamantes, a norma diz que a medição acústica deve ser feita com as portas dos banheiros, dormitórios e de entrada fechadas, bem como todas as janelas.
Lembrando o meu amigo que acordava com o canto dos passarinhos, quando o ruído de fundo é elevado, pode mascarar o ruído da fonte sonora. Então, caso ele morasse perto de uma rua movimentada, talvez não acordaria com os pássaros. O canto das aves só era perceptível por que a região muito silenciosa. Quando o nível de ruído ambiente é superior ou próximo do nível de ruído gerado por uma fonte, não podemos identificar corretamente essa fonte.
Assim a norma de desempenho indica que “se o nível de ruído no ambiente interno, no momento da medição, for superior ao critério da tabela 4, o equipamento em questão deverá ser avaliado em outro horário em que seja possível a medição”. Esse outro horário normalmente é a noite, quando o ruído externo é mais baixo.
A norma ISO 16032, que define o método de medição, indica que o nível de ruído ambiente deve ser inferior a 10 dB do nível de ruído do sistema hidrossanitário, para ser corretamente caracterizado.
Ambientes silenciosos e desempenho acústico
Para quem mede o desempenho acústico do sistema hidrossanitário, um dormitório com uma janela acústica é ideal, pois, possivelmente, o ambiente terá níveis sonoros residuais muito baixos.
Como vimos, a norma NBR 10152:2017 prescreve para dormitórios níveis sonoros equivalentes menores que 35 dBA e níveis sonoros máximos menores que 40 dBA. Se considerarmos um resultado de desempenho de sistema hidrossanitário com esses valores, teremos um sistema com desempenho muito próximo do intermediário (LAeq,nT < 34 dB e LASmax,nT < 39 dB).
Lembra do meu amigo que acordava com os passarinhos? Quando eu coloco uma janela acústica, pensando em atenuar o ruído da rua, e o nível de ruído residual fica muito baixo, da ordem de 25 dBA, qualquer outro barulho interno fica muito evidente. Para um sistema hidrossanitário com desempenho intermediário, qualquer acionamento será notado. Se o sistema tiver desempenho superior (LAeq,nT < 30 dB e LASmax,nT < 36 dB), ainda assim estará 5 dB acima do ruído residual, ou seja, bem perceptível.
Então, chegamos num impasse. O que é melhor: reduzir o barulho da rua ou ressaltar outros internos à edificação, como do hidrossanitário ou de equipamentos domésticos, para citar alguns?
É fundamental ter em mente que esse fenômeno pode ocorrer e ser mais incômodo do que o ruído do trânsito, por exemplo. Não estou defendendo a ideia de nos resignarmos com o barulho que nos cerca, mas sim que devemos estar cientes do efeito colateral que o “remédio” pode causar. Penso que devemos manter os níveis sonoros internos de um ambiente próximos aos indicados na norma 10152, à custa de nos depararmos com outros problemas mais incômodos.
E você o que acha? Tem alguma experiência a esse respeito para nos contar?
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