Os problemas de ruído urbano são muitos. Alguns fáceis de controlar e outros mais complexos, como os relacionados ao ruído de aeroportos, em especial no que se refere aos pousos e decolagens de aeronaves. A medida mais comum para resolver esse problema é a limitação de horários para essas operações, o que aumenta os custos de várias operações comerciais. Embora a indústria aeronáutica tenha investido no desenvolvimento de aeronaves mais silenciosas, o ruído das turbinas ainda é de alta intensidade e com fortes componentes de baixas frequências. Por isso, seu controle é especialmente complicado. Além disso, devido ao longo ciclo de vida, muitas aeronaves em operação não são equipadas com os mecanismos de controle de ruído desenvolvidos mais recentemente.
Pensando nesses problemas, o aeroporto Schiphol, em Amsterdam, criou uma solução eficiente de controle de ruído para a região do seu entorno. O caminho para isso aliou história, arte e ciência. Logo após a borda da pista, foi criada uma grande obra paisagística, para atenuar o ruído de baixas frequências das aeronaves. Um parque urbano formado por uma série de elevações e vales, como se fosse uma grande aragem do solo, com espaçamento e geometria que proporcionam grande redução do ruído propagado ao nível do solo.
O espaço verde de 80 acres é o Buitenschot Terra Art Park. Seus montes e vales abrigam ciclovias e quadras esportivas. Um complexo que tem por principal objetivo atenuar o ruído de baixa frequência gerado nos pousos e decolagens dos aviões.
Schiphol é um dos aeroportos mais movimentados do mundo, inclusive como importante ponto de parada para transporte de cargas intercontinentais. Mais de 1.600 voos entram e saem a cada dia, o dobro do observado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, o mais movimentado do Brasil. Porém, as reclamações dos bairros vizinhos ao aeroporto começaram quando uma nova pista foi construída em 2003, a Polderban. Moradores podiam ouvir o barulho a mais de 40 quilômetros de distância, e de forma incessante.
A solução na história
Quando os militares holandeses construíram a primeira pista de pouso, na região onde hoje está o aeroporto, em 1916, o local foi escolhido por ser um pôlder. É o nome que define uma área plana, de baixa altitude, ampla e aberta, surgida do processo de remoção da água Um conjunto de características perfeitas para pousos de aviões, mas que, por outro lado, funcionam como um grande refletor acústico, espalhando o som dos aviões em toda região.
Durante os estudos do projeto para controlar o ruído, a equipe de projetistas encontrou algo interessante e que os agricultores locais já conheciam há séculos. Os campos, quando arados, atenuavam o barulho. As cristas repetitivas criadas pelos agricultores eram boas para amortecer as ondas sonoras de baixa frequência e propagação rasante. Por outro lado, no inverno, quando o solo é duro e liso, o pôlder pode servir como um enorme refletor acústico. Da constatação, surgiu a ideia de projetar um sistema permanente de sulcos, em todo parque, de forma a reduzir o ruído no entorno do aeroporto.
Land Art
A Holanda tem uma longa história de moldar o ambiente físico para atender às necessidades dos cidadãos. Amsterdam, por exemplo, é construída em torno de um sistema de canais artificiais. Assim, um projeto de paisagismo em larga escala no aeroporto Schiphol não estava fora do costume local. Optou-se, então, por reinventar o terreno que circundava o aeroporto, para abafar o máximo possível o ruído de baixa frequência. Foi um projeto que envolveu os arquitetos paisagistas do escritório H+N+S Landschapsarchitecten e o artista Paul De Kort, o responsável pelo planejamento do parque em forma de labirinto.
Imagem: Paul de Kort
A Land Art, também conhecida como Earth Art ou Earthwork é o tipo de arte em que o terreno natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é trabalhado de modo a integrar-se à obra. A land art de Paul de Kort, artista que projetou Buitenschot Terra Art Park, se volta para o sentido mais prático, frequentemente em obras de infraestrutura.
“Meu trabalho como artista tem a ver com todos os tipos de situações no domínio público. Estes são os tipos de projetos que me solicitam com mais frequência, mas são problemas típicos holandeses e não chamam atenção internacional”.
De Kort baseou-se nos padrões criados por Ernst Chladni do século 17. Em seus experimentos sobre acústica, o cientista alemão espalhou areia ou sal em uma placa de metal e passou um arco de violino na borda da mesma, para que ela vibrasse, fazendo com que os grãos se reorganizassem e formassem desenhos. O artista também estudou técnicas agrícolas históricas usadas no local, a região de Haarlemmermeer, para chegar à sua proposta para o design.
Atenuação de ruídos de baixas frequências
O ruído de baixas frequências (sons graves) é difícil de controlar, devido ao seu grande comprimento de onda. Como, em acústica, as dimensões são relativas ao comprimento da onda sonora incidente, as ondas sonoras de baixas frequências não são afetadas por barreiras acústicas tradicionais, como as utilizadas em rodovias. Sons de baixas frequências possuem comprimento de onda longo e contornam facilmente qualquer obstáculo com dimensões convencionais. Por exemplo, um som de 100 Hz possui um comprimento de onda em torno de 3,4 m. Assim sendo, qualquer obstáculo com dimensões menores que 3,4 m não será “percebido” por uma onda de 100 Hz que passará por ele sem ser afetada.
Partindo deste princípio, o aeroporto teve que encontrar uma solução mais elaborada e inteligente para atenuar o ruído das aeronaves. Em 2008, eles buscaram a Organização Holandesa para Pesquisa Científica Aplicada [TNO], com foco em realizar o estudo de controle de ruído. O instituto de pesquisa constatou que, no outono, após os campos próximos ao aeroporto terem sido arados, os níveis de ruído diminuíam significativamente. Ou seja, os sulcos feitos pela aragem do terreno atenuava o som, pelo fato de criarem múltiplas elevações para absorver as ondas sonoras.
Partindo dessa constatação, Kort usou o GPS para criar 150 sulcos perfeitamente retos e simétricos, com cumes de até 3 metros de altura entre eles. O layout final do projeto criou uma série de aproximadamente 150 sulcos, devidamente espaçados de forma que a distância entre as cristas, com até 3 metros de altura, fosse equivalente ao comprimento de onda do ruído do aeroporto, de aproximadamente 10 metros.
Imagem: H+N+S Landscape Architects.
Finalizado em outubro de 2013, o Buitenschot cortou o nível de ruído ambiente pela metade, quase imediatamente. Foram montados 35 pontos de monitoramento de ruído em torno da região, e, quando testado, em 2014, o nível de ruído em cada ponto não excedia o nível desejado. Desde então, o aeroporto trabalha para reduzir ainda mais os níveis de ruído, definindo quando determinados aviões podem decolar e exigindo das companhias aéreas a atualização das frotas.
O sucesso do projeto está fazendo com que outros aeroportos movimentados, como o de Melbourne, na Austrália, e Gatwick, em Londres, sigam a ideia de colocar barreiras acústicas naturais, semelhantes às de Schiphol.
Será que projetos desse tipo seriam viáveis no Brasil? Você conhece algum aeroporto onde tal projeto poderia ser aplicado?